MicroRNAs: Descobertas Recentes e Aplicações Terapêuticas

MicroRNAs: Descobertas Recentes e Aplicações Terapêuticas

Autor: Sodré GB Neto

Resumo

Os microRNAs (miRNAs) são pequenas moléculas de RNA não codificadoras que desempenham um papel crucial na regulação da expressão gênica. Inicialmente reconhecidos por sua importância em processos biológicos fundamentais, as pesquisas recentes têm expandido significativamente nosso entendimento sobre seu envolvimento em diversas patologias, incluindo câncer e doenças infecciosas. Este artigo explora as descobertas mais recentes no campo dos miRNAs, desde seu potencial como biomarcadores e alvos terapêuticos até os avanços nos sistemas de entrega para terapias baseadas em miRNA. Abordaremos também os desafios e as perspectivas futuras para a aplicação clínica dessas moléculas promissoras.

1. Introdução

Os microRNAs (miRNAs) são uma classe de RNAs não codificadores, com aproximadamente 20-22 nucleotídeos de comprimento, que atuam como reguladores pós-transcricionais da expressão gênica. Eles se ligam a sequências complementares em RNAs mensageiros (mRNAs), levando à repressão da tradução ou à degradação do mRNA [1]. Desde a sua descoberta, os miRNAs têm sido implicados em uma vasta gama de processos biológicos, como desenvolvimento, diferenciação celular, proliferação e apoptose.
A matéria original do Jornal da Ciência [2] destacou o potencial de miRNAs encontrados em plantas medicinais com efeitos anticancerígenos, citando exemplos como miR-34a, miR-21, miR-155, miR-29 e miR-126. Essas observações iniciais sublinham a relevância dos miRNAs como moléculas com potencial terapêutico. Nos últimos anos, a pesquisa em miRNA tem avançado exponencialmente, culminando até mesmo no reconhecimento com o Prêmio Nobel de Fisiologia ou Medicina em 2024 pela descoberta de um novo princípio de regulação gênica mediado por microRNA [3, 4, 5]. Este artigo visa aprofundar essas descobertas, integrando os conhecimentos da matéria base com os avanços científicos mais recentes.

2. MicroRNAs como Biomarcadores e Alvos Terapêuticos em Doenças

A capacidade dos miRNAs de modular múltiplas vias simultaneamente e seu envolvimento em inúmeras doenças os tornam ferramentas e alvos atraentes no desenvolvimento terapêutico [6].

2.1. MicroRNAs em Doenças Infecciosas

miRNAs_doencas_infecciosas.png

Recentemente, os miRNAs têm emergido como candidatos promissores para novos biomarcadores e alvos terapêuticos em doenças infecciosas [7]. Perfis de miRNA podem discriminar entre indivíduos saudáveis e pacientes, bem como distinguir diferentes estágios da doença. A possibilidade de avaliar miRNAs em fluidos biológicos, como soro e sangue total, torna essas moléculas viáveis para o desenvolvimento de novas ferramentas diagnósticas e prognósticas não invasivas [7].
A Tabela 1 apresenta alguns exemplos de miRNAs e seus perfis de expressão em diversas doenças infecciosas:
miRNA(s)
Perfil de Expressão
Doença
Referência
miR-19a-3p, miR-19b-3p, miR-92a-3p
Aumentado
COVID-19
[7]
miR-150, miR-146b-5p
Diminuído
HIV
[7]
miR-122, miR-21, miR-34a
Aumentado
Hepatite C
[7]
miR-149, miR-638, miR-491
Aumentado
Hepatite C
[7]
miR-361-5P, miR-889, miR-576-3p
Diminuído
Tuberculose
[7]
miR-144
Aumentado
Tuberculose
[7]
miR-16, miR-451
Diminuído
Malária
[7]

2.2. MicroRNAs na Terapia do Câncer

miRNAs_anticancerigenos.png

Os miRNAs são reguladores cruciais na biologia do câncer, influenciando a tumorigênese, progressão e resistência à terapia [8]. A matéria original já apontava para o potencial anticancerígeno de miRNAs de plantas medicinais [2]:
miR-34a: Encontrado em cohosh preto, ginseng e açafrão, promove a apoptose (morte celular) em células cancerígenas. Pesquisas recentes confirmam que o miR-34a atua como um supressor tumoral, visando seletivamente a proteína p53, e sua expressão é frequentemente regulada negativamente em muitos cânceres [9].
miR-21: Presente em chá verde e curcumina, desempenha um papel na proliferação de células cancerígenas e tem sido apontado como um potencial agente terapêutico.
miR-155: Encontrado em gengibre e chá verde, inibe o crescimento tumoral e promove a apoptose.
miR-29: Presente em chá verde e curcumina, regula a expressão de genes envolvidos na progressão do câncer.
miR-126: Encontrado em alho e ginkgo biloba, inibe a angiogênese (formação de novos vasos sanguíneos que alimentam as células cancerígenas) e promove a apoptose.
Estratégias terapêuticas incluem a substituição de miRNA (para miRNAs supressores de tumor) e a inibição de miRNA (para miRNAs oncogênicos), juntamente com sistemas de entrega inovadores, como nanopartículas lipídicas e exossomos [8].

3. Avanços nas Terapêuticas de MicroRNA e Sistemas de Entrega

O desenvolvimento de terapêuticas baseadas em miRNA tem enfrentado desafios significativos, principalmente relacionados à toxicidade e à entrega eficaz dessas moléculas [6, 10]. Menos de 20 terapêuticas de miRNA entraram em ensaios clínicos, e aproximadamente metade deles foram suspensos ou encerrados devido à toxicidade e outros efeitos colaterais graves [10]. No entanto, avanços recentes em sistemas de entrega de medicamentos em nanoescala estão abordando essas questões, tornando as terapêuticas de miRNA mais viáveis [10].

3.1. Sistemas de Entrega Aprimorados

A entrega eficaz de terapêuticas de miRNA às células-alvo é um desafio complexo devido à instabilidade e suscetibilidade à degradação dos miRNAs. As metodologias atuais incluem sistemas virais (vírus adenoassociados, adenovírus e vetores lentivirais) e sistemas não virais (nanopartículas à base de lipídios, nanopartículas poliméricas, nanopartículas inorgânicas e vesículas extracelulares) [10].
Nanopartículas Lipídicas (LNPs): São os carreadores mais comumente usados devido à sua capacidade de proteger o miRNA e boa biocompatibilidade. LNPs foram recentemente desenvolvidas a partir de lipídios catiônicos ionizáveis para uma entrega mais eficiente. A incorporação de polietilenoglicol (PEG) tem demonstrado reduzir a agregação de nanopartículas e aumentar o tempo de circulação [10].
Carreadores à Base de Polímeros: Avanços emergentes estão ocorrendo com carreadores à base de polímeros, como o poli (ácido láctico-co-glicólico) (PLGA). O PLGA já recebeu aprovação da FDA como veículo de entrega e está em ensaios de fase II para terapias de RNA de interferência pequeno (siRNA) [10].
Nanopartículas Inorgânicas: Nanopartículas inorgânicas, como ouro e sílica, também mostram potencial como carreadores de miRNA, mas preocupações contínuas com a toxicidade, particularmente com o ouro, podem limitar seu uso clínico [10].

4. Desafios e Perspectivas Futuras

Apesar do progresso notável, os desafios persistem, incluindo efeitos fora do alvo, ativação imunológica e ineficiências de entrega [8]. A necessidade de avaliações de risco abrangentes para terapêuticas de miRNA é crucial, pois vários candidatos foram descontinuados devido a preocupações com a toxicidade [6].
No entanto, o progresso proeminente nas abordagens de modulação de miRNA e nos sistemas de nanotransporte levou ao desenvolvimento de novos candidatos a medicamentos de miRNA seguros e bem tolerados [6]. A pesquisa contínua neste campo promete aprimorar o manejo de doenças e os resultados para os pacientes [7]. A integração dessas abordagens na oncologia de precisão e no tratamento de doenças infecciosas representa uma fronteira promissora para a medicina.

5. Conclusão

Os microRNAs representam uma área de pesquisa dinâmica e de rápido avanço, com implicações profundas para a compreensão e tratamento de uma vasta gama de doenças. Desde a sua identificação como reguladores gênicos cruciais até o desenvolvimento de estratégias terapêuticas inovadoras e sistemas de entrega aprimorados, o campo dos miRNAs continua a oferecer novas esperanças. Embora desafios como a especificidade e a toxicidade persistam, o entusiasmo em torno do potencial dos miRNAs como biomarcadores e agentes terapêuticos é justificado pelos avanços contínuos e pela promessa de uma nova era na medicina personalizada.

6. Referências

[1] Bartel, D. P. (2004). MicroRNAs: genomics, biogenesis, mechanism, and function. Cell, 116(2), 281-297. [2] Jornal da Ciência. (2021). MicroRNA. Disponível em: [3] Nobel Prize. (2024). Press release: The Nobel Prize in Physiology or Medicine 2024. Disponível em: [4] Science.org. (2024). ‘Out of the blue’ discovery of RNAs that regulate genes wins Nobel Prize in Physiology or Medicine. Disponível em: [5] Harvard Medical School. (2024). Harvard Medical School Scientist Gary Ruvkun Receives Nobel Prize for Discovery of MicroRNA. Disponível em: [6] Brillante, S., Volpe, M., & Indrieri, A. (2024). Advances in MicroRNA Therapeutics: From Preclinical to Clinical Studies. Human Gene Therapy, 35(17-18), 628-648. Disponível em: [7] Nunes, S., Bastos, R., Marinha, A. I., Vieira, R., Benic, I., Noronha, M. A., … & Brodskyn, C. (2025). Recent advances in the development and clinical application of miRNAs in infectious diseases. Non-coding RNA Research. Disponível em: [8] Di Martino, M. T., Tagliaferri, P., & Tassone, P. (2025). MicroRNA in cancer therapy: breakthroughs and challenges in early clinical applications. Journal of Experimental & Clinical Cancer Research, 44(1), 1-18. Disponível em: [9] Nature. (2024). What will it take to get miRNA therapies to market? Disponível em: [10] CAS. (2025). Advancing microRNA therapeutics with new delivery methods. Disponível em:

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